Por Francisco Fernández Carvajal
I. AO LONGO DA VIDA terrena de Jesus, sua Mãe Santa Maria cumpriu a vontade divina e atendeu-o com solicitude amorosa, em Belém, no Egito, em Nazaré. Teve para com Ele todos os cuidados normais de que precisou, iguais aos de qualquer outra criança, e também as atenções extraordinárias que foram necessárias para proteger a sua vida. O Menino cresceu, entre Maria e José, num ambiente cheio de amor sacrificado e alegre, de proteção firme e de trabalho.
Mais tarde, durante a sua vida pública, Maria poucas vezes seguiu o Senhor de perto, mas Ela sabia a cada momento onde o seu Filho se encontrava, e chegava-lhe o eco dos seus milagres e da sua pregação. Jesus foi algumas vezes a Nazaré, e então demorava-se um pouco mais com a sua Mãe; a maioria dos seus discípulos já a conhecia desde as bodas de Caná da Galiléia1. Salvo o milagre da conversão da água em vinho, em que teve uma participação tão importante, os Evangelistas não nos falam de que tivesse presenciado nenhum outro milagre. Como não esteve presente nos momentos em que as multidões vibravam de entusiasmo pelo seu Filho. “Não a vereis entre as palmas de Jerusalém, nem – afora as primícias de Caná – à hora dos grandes milagres. – Mas não foge ao desprezo do Gólgota; ali está, «iuxta crucem Iesu», junto à cruz de Jesus, sua Mãe”2.
Deus amou a Virgem de um modo singular. Não a dispensou, no entanto, do transe do Calvário, permitindo-lhe que sofresse como ninguém jamais sofreu, exceto o seu Filho. Nesses momentos angustiantes, poderia ter-se retirado talvez para a intimidade da sua casa, longe do Calvário, na companhia amável das mulheres da aldeia; “ao fim e ao cabo, nada podia fazer, e a sua presença não evitava nem aliviava as dores nem a humilhação do seu Filho. Mas não o fez. E não o fez pela mesma razão pela qual uma mãe permanece junto do leito do filho agonizante, apesar de nada poder fazer pela sua sobrevivência”3. Enquanto o drama caminhava para o seu desfecho, foi-se aproximando pouco a pouco da Cruz; os soldados permitiram-lhe que se aproximasse.
Jesus olha para Maria e Maria olha para Jesus. Numa estreitíssima união, Maria oferece o seu Filho a Deus Pai, corredimindo com Ele. Em comunhão com o Filho dolente e agonizante, suportou a dor e quase a morte; “abdicou dos direitos de mãe sobre o seu Filho, para conseguir a salvação dos homens; e para apaziguar a justiça divina, naquilo que dela dependia, imolou o seu Filho, de modo que se pode afirmar com razão que redimiu com Cristo a linhagem humana”4.
A Virgem não só “acompanhou” Jesus, mas esteve unida ativa e intimamente ao sacrifício que se oferecia naquele primeiro altar. Participou de modo voluntário na redenção da humanidade, consumando o fiat – faça-se – que havia pronunciado anos antes em Nazaré. Por isso podemos pensar que Maria está presente em cada Missa, nesse ato que é o centro e o coração da Igreja. Esta realidade ajudar-nos-á a viver melhor o sacrifício eucarístico – unindo à entrega de Cristo a nossa, que também deve ser holocausto –, e a sentir-nos muito perto de Nossa Senhora.
II. DO ALTO DA CRUZ, Jesus confia a Santa Maria o seu Corpo Místico, a Igreja, na pessoa de São João. Sabia que necessitaríamos constantemente de uma Mãe que nos protegesse, que nos levantasse e intercedesse por nós. A partir desse momento, “Ela cuida e cuidará da Igreja com a mesma fidelidade e a mesma força com que cuidou do seu Primogênito desde a gruta de Belém, passando pelo Calvário, até o Cenáculo de Pentecostes, onde teve lugar o nascimento da Igreja. Maria está presente em todas as vicissitudes da Igreja [...]. Está unida à Igreja de modo muito particular nos momentos mais difíceis da sua história [...]. Maria aparece-nos particularmente próxima da Igreja, porque a Igreja é sempre como o seu Cristo, primeiro ainda Menino e depois Crucificado e Ressuscitado”5.
A Virgem Santa Maria intercede para que Deus imprima na alma dos cristãos os mesmos anseios que pôs na dela, o desejo corredentor de que todos os homens voltem a ser amigos de Deus. “A fé, a esperança e a ardente caridade da Virgem no cume do Gólgota, que a tornam Corredentora com Cristo de modo eminente, são também um convite para que cresçamos, para que sejamos humana e sobrenaturalmente fortes diante das dificuldades externas; um convite para que perseveremos sem desanimar na ação apostólica, ainda que por vezes pareça não haver frutos ou o horizonte se apresente obscurecido pela potência do mal.
“Lutemos – lute cada um de nós! – contra esse acostumar-se, contra esse ir tocando monotonamente, contra esse conformismo que equivale à inação. Olhemos para Cristo na Cruz, olhemos para Santa Maria junto à Cruz: sob os seus olhos abrem caminho, com espantosa arrogância, a traição, a mofa, os insultos...; mas Cristo, e, secundando a sua ação redentora, Maria, continuam fortes, perseverantes, cheios de paz, com otimismo na dor, cumprindo a missão que a Trindade lhes confiou. É uma batida à porta de cada um de nós, a recordar-nos que à hora da dor, da fadiga e da contradição mais horrenda, Cristo – e tu e eu temos que ser outros Cristos – dá cumprimento à sua missão [...]. Decido-me a aconselhar-te que voltes os teus olhos para a Virgem e lhe peças para ti e para todos: Mãe, que tenhamos confiança absoluta na ação redentora de Jesus, e que – como tu, Mãe – queiramos ser corredentores...”6
Participar na Redenção, cooperar na santificação do mundo, salvar almas para a eternidade: existe ideal maior para preencher toda uma vida? A Virgem corredime junto do seu Filho no Calvário, mas também o fez quando pronunciou o seu fiat – faça-se – ao receber a embaixada do Anjo, e em Belém, e no tempo em que permaneceu no Egito, e na sua vida normal de Nazaré... Podemos ser corredentores, tal como Ela, durante todas as horas do dia, se as cumularmos de oração, se trabalharmos conscienciosamente, se vivermos uma caridade amável com aqueles que encontramos nas nossas tarefas, na família, se oferecermos com serenidade as contrariedades de cada dia.
III. VENDO JESUS A SUA MÃE e o discípulo a quem amava, o qual estava ali, disse à sua Mãe: Mulher, eis aí o teu filho7. Era o último ato de entrega de Jesus antes de expirar; deu-nos a sua Mãe por Mãe nossa.
Desde então, o discípulo de Cristo tem algo que lhe é próprio: tem Maria como sua Mãe. O posto de Mãe na Igreja será de Maria para sempre: E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa8. Aquela foi a hora de Jesus, que inaugurava com a sua morte redentora uma nova era até o fim dos tempos. Desde então, diz Paulo VI, “se queremos ser cristãos, devemos ser marianos”9. A obra de Jesus pode resumir-se em duas maravilhosas realidades: deu-nos a filiação divina, tornando-nos filhos de Deus, e fez-nos filhos de Santa Maria.
Um autor do século III, Orígenes, faz notar que Jesus não disse a Maria: “Esse também é teu filho”, mas: “Eis aí o teu filho”; e como Maria só teve Jesus por filho, as suas palavras equivaliam a dizer-lhe: “Esse, daqui por diante, será para ti Jesus”10. A Virgem vê em cada cristão o seu filho Jesus. Trata-nos como se em nosso lugar estivesse o próprio Cristo. Como se esquecerá de nós quando nos vir necessitados? Que deixará de conseguir do seu Filho em nosso favor? Jamais poderemos fazer uma pálida idéia do amor de Maria por cada um de nós.
Acostumemo-nos a encontrar Santa Maria enquanto celebramos ou participamos da Santa Missa. “No Sacrifício do altar, a participação de Nossa Senhora evoca-nos o silencioso recato com que acompanhou a vida de seu Filho, quando andava pelas terras da Palestina. A Santa Missa é uma ação da Trindade; por vontade do Pai, cooperando com o Espírito Santo, o Filho oferece-se em oblação redentora. Nesse insondável mistério, percebe-se, como por entre véus, o rosto puríssimo de Maria: Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo.
“O relacionamento com Jesus, no Sacrifício do altar, traz consigo necessariamente o relacionamento com Maria, sua Mãe. Quem encontra Jesus, encontra também a Virgem sem mancha, como aconteceu com aqueles santos personagens – os Reis Magos – que foram adorar Cristo: Entrando na casa, encontraram o Menino com Maria, sua Mãe (Mt 2, 11)”11.
Com Ela, podemos oferecer a Deus toda a nossa vida – todos os nossos pensamentos, anseios, trabalhos, afetos, ações, amores –, identificando-nos com os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus12: “Pai Santo!”, dizemos-lhe na intimidade do nosso coração, e podemos repeti-lo interiormente durante a Santa Missa, “pelo Coração Imaculado de Maria, eu Vos ofereço Jesus, vosso Filho muito amado, e me ofereço a mim mesmo nEle, com Ele e por Ele, por todas as suas intenções e em nome de todas as criaturas”13.
Celebrar ou assistir ao santo Sacrifício do altar tal como convém é o melhor serviço que podemos prestar a Jesus, ao seu Corpo Místico e a toda a humanidade. Junto de Maria, na Santa Missa, estamos particularmente unidos a toda a Igreja.
(1) Cfr. Jo 2, 1-10; (2) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 507; (3) F. Suárez, A Virgem Nossa Senhora, pág. 256; (4) Bento XV, Epist. Inter sodalicia, 22-V-1918; (5) K. Wojtyla, Sinal de contradição, pág. 261; (6) A. del Portillo, Carta pastoral, 31-V-1987, n. 19; (7) Jo 19, 26; (8) Jo 19, 27; (9) Paulo VI, Homilia, 24-VI-1970; (10) Orígenes, Comentário sobre o Evangelho de São João, I, 4, 23; (11) Josemaría Escrivá, La Virgen, em Libro de Aragón, Caja de Ahorros, Saragoça, 1976; (12) cfr. Fil 2, 5; (13) P. M. Sulamitis, Oración de la ofrenda al Amor Misericordioso, Madrid, 1931.
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